quinta-feira, 10 de maio de 2012

Tragédia do egoísmo

Saudações, padawans! Alguns séculos longe do blog estavam me deixando triste. Agora que sou realmente um mestre jedi, consigo arranjar algum tempinho para deixar alguns textículos para alegrar suas tardes de procrastinação virtual.


Mas infelizmente ainda não vai ter pornografia, cara...

Resolvi fazer uma discussão de um assunto mais sério. Ultimamente, a população em geral... tá, não tão em geral assim... para efeito de ilustração, vamos considerar o termo população = internautas (o que está longe de ser verdade, com uns 5 bilhões de pessoas sem acesso a isso, e talvez metade desse grande número sem acesso a água potável). Voltando ao assunto, a população em geral, pelo menos no Brasil, se divide em dois grandes grupos quando o assunto é um problema ambiental qualquer:


Os que acham que esse cara é um super-herói (ou um dovahkiin, exibindo um Fus Ro Dah pra moçada)


E os que acham que esse cara é um super-herói (um imitador nato do Chico Anísio)

Me atrevo a dizer que essa polaridade forçada não é uma exclusividade desse tipo de discussão. A maioria das discussões políticas/éticas também forma extremos (revoltas na USP, ocupação de Pinheirinho), e a principal razão pela qual as pessoas passam a idolatrar um lado ou outro, negando argumentos do outro lado como uma criança teimosa, é a ignorância. A falta de conhecimento sobre o assunto acaba fazendo com que a "população" preguiçosa não pense por si própria, não pesquise em diversas fontes, não use a internet como a ferramenta maravilhosa que é. Ao invés disso, acabam escolhendo um discurso de algum extremista que se identificam, e perpetuam ignorância e falta de argumentos em progressão geométrica nas redes sociais.


Tipo isso, só que marrom.

Este texto não vai ser sobre o código florestal em si, nem vou colocar aqui dados que corroboram a grande merda que estamos fazendo de diversas formas com as outras espécies do nosso planeta e com nós mesmos em um futuro próximo. Neste texto eu vou contar uma história que diz muito sobre as raízes de todos os problemas de conservação que enfrentamos hoje, sendo basicamente um exemplo e minha opinião (compartilhada com muitos cientistas, como o Jarred Diamond) sobre o assunto.

Em 1968, Garrett Hardin publica na revista Science o paper "The Tragedy of the Commons" (podendo ser lido clicando aqui). Neste paper, o autor cita a "tragédia das áreas comunais" ou "tragédia dos comuns", inicialmente pensada por William Foster Lloyd. A história é basicamente a seguinte:


Senta que lá vem história...

Nas áreas rurais da Inglaterra do século XIX, existiam algumas terras chamadas de áreas comunais (os commons), em que várias famílias usavam da mesma terra para criar seu gado. Vamos supor que existam 1000 famílias morando em uma área comunal, e que cada família pode criar apenas uma vaca. Um fazendeiro mais esperto poderia pensar que se ele criar mais duas vacas, ele triplicaria seus lucros e o resto do pessoal não seria muito prejudicado, afinal, em uma área que "cabem" 1000 vacas, "cabem" 1002. O que o esperto acaba não se dando conta, é que é bem provável que outras pessoas tenham a mesma idéia. Se metade dos pecuaristas pensarem assim, então a terra teria que lidar com 2000 vacas (500x1 + 500x3 = 500 + 1500 = 2000), o dobro da capacidade "ótima" da terra. Em pouco tempo, as terras enfrentariam sérios problemas de desertificação, as famílias teriam cada vez mais dificuldade de produzir e entrariam em colapso (talvez migrariam para as grandes cidades, viveriam em áreas de risco, não teriam empregos formais... mas esse é assunto para outro texto).

O que pode ser generalizado aqui para a origem de quase todo problema ambiental é simples: individualização de lucros e coletivização de prejuízos. O lucro das vacas extras vai só para o fazendeiro que adotar essa medida, e é um grande lucro (triplicado, no exemplo). Entretanto, o prejuízo vai diluído para toda a população (no caso de outros problemas, também vai para outras espécies em geral). A idéia de que "sou só eu mesmo, não fará mal" é extremamente limitada e imediatista. A curto prazo, talvez o fazendeiro não sinta o prejuízo, mas dependendo a intensidade da destruição causada, o efeito vai ser sentido mais cedo ou mais tarde. Podemos usar outros exemplos, como o quanto de dejetos orgânicos que um corpo d'água consegue receber, e que algumas fábricas começarão a despejar mais do que o permitido (se livrando dos gastos de ter que despejar em um local apropriado), levando o ambiente à eutrofização. É claro que a linguagem que estou usando aqui (lucro x prejuízo) é a que a "população" gosta de ouvir. Um evolucionista como eu com certeza não enxerga a si mesmo separado da natureza. As espécies devem existir pelo simples direito de existir que todos temos, não cabe a nós cortar toda uma linhagem da face da Terra. Além disso, claro, há as inúmeras vantagens da biodiversidade e da floresta para a qualidade de vida humana e para o avanço da ciência como um todo.


Ilustrado acima: Toda a nossa superioridade.

Outra questão que a tragédia dos comuns nos mostra, essa talvez mais assustadora, é o crescimento populacional como um problema inevitável. Na época do paper do Hardin, não existiam países cuja taxa de crescimento era mínima de forma benéfica (taxa de natalidade = taxa de mortalidade, ambos baixos). Hoje alguns países europeus têm taxas de crescimento negativas até. Mas mesmo assim, a taxa de crescimento da população humana no mundo é alta. Um problema grande é o fato de que a maioria dos países do mundo possúem taxas de crescimento altíssimas, ou estão chegando a valores baixos, mas de forma ruim (taxa de natalidade = taxa de mortalidade, ambos altos), uma estabilidade alcançada com os piores índices de qualidade de vida.

Algo que a tragédia nos alerta sobre o crescimento populacional, é que é impossível querer que o mundo todo tenha um estilo de vida esbanjador. Os recursos do nosso querido planeta são limitados. Os norte-americanos são 1/25 da população mundial, mas consomem 1/3 da energia produzida no mundo. Logo, pode-se concluir que é impossível que todo o mundo tenha um padrão de vida norte-americano (talvez em um futuro em que a população mundial alcance um equilíbrio benéfico e seja bem menor do que é hoje).


Eu juro que não estou propositalmente sacaneando gordos nesse post.

Uma coisa que me leva a pensar a partir disso é: Por que querer um estilo de vida assim ou assado? Vemos repetidas propagandas de automóveis no horário nobre e fica claro que a "população" compra um, dois ou três desses carros por uma mera necessidade de se afirmar. A imensa maioria das propagandas não evidencia as funcionalidades do veículo, ficando restrita a mostrar um vizinho esnobando o outro, um ator babando no carro do amigo, um otário com uma mulher-objeto muda (e estúpida). E essa "população" compra caminhonetes de três toneladas de puro metal pelo simples prazer de achar que suas calças ficaram alguns centímetros cúbicos mais apertadas.


Se ainda fosse o carro do Blade Runner...

Este não é um texto socialista, ou capitalista ou qualquer "ista". É só uma constatação de algo que muitos cientistas já sabem: é impossível nivelar o mundo por cima, é impossível sustentar nosso planeta com 7 bilhões de pessoas se amontoando querendo mostrar para o amigo como seu tênis feito por chineses paupérrimos é legal (não preciso comentar a energia gasta para transportar estes produtos do outro lado do mundo, nem da condição de trabalho dessa galera). A nossa maravilhosa tecnologia engenhosa (que depende de ciência de base, algo cada vez menos interessante aos olhos do poder público) pode parecer a luz no fim do túnel. Temos internet na palma da mão, gps, cirurgias de ponta e transgênicos super-produtivos. Aí é só lembrar que a grande maioria do planeta não tem acesso a nada disso, uma realidade que parece distante e invisível para a "população" do facebook. Como diria o professor Fernando Fernandez em seu livro "O Poema Imperfeito": "o espectro de Malthus está vivo, e olha para você pelo vidro do carro no semáforo".

Pode parecer clichê, mas essa questão do ter e do ser tem mais implicações negativas do que imaginamos. A vida é intensa e complexa demais para depositar sua felicidade em produtos manufaturados e em inveja gerada em seus semelhantes. Se você consegue encontrar satisfação ouvindo música, rindo com os amigos, andando de bicicleta ou de cavalo, praticando algum esporte, assistindo filme, lendo um livro, beijando alguém que você gosta, por que cultivar incessantemente a necessidade de se afirmar para as pessoas que você tem muitas coisas e que por isso você é fodão? Essa visão é incompatível com um planeta duradouro. Temos que fazer concessões, abrir mão de liberdades. A falsa noção de que podemos ser completamente livres, inclusive para arriar as calças na caixa d'água terá de ser abandonada.

Para finalizar, sobre o código florestal, vou deixar aqui dois vídeos do Pirula, um sobre a importância da floresta do ponto de vista humano (imediatista e funcionalista, para convencer população do facebook) e um outro sobre o histórico e os impactos do código florestal em si. Ele deixa muitas referências disponíveis, o que agrega informação nos vídeos e não fica somente como um cara falando o que dá na telha como se vê por aí (ou como eu fiz aqui, mas deixei claro desde o início que seria um texto de opinião).

Espero ler opiniões variadas nos comentários. Esse é um assunto que merece mais que um "Legal" ou "Seu ecochato de merda". Entretanto, acho que podem xingar a vontade, vamos honrar liberdade de expressão. Só não garanto nada se algo acontecer à sanidade de quem chegar aqui pra trollar...


Trolls são parte fundamental da dieta do Cthulhu...

Vídeos do Pirula:


Vídeo do Jarred Diamond (clicar em subtitles para buscar a legenda):




Lucas Skywalker é um biólogo mestre em entomologia que aproveita a sua falta de bolsa e de qualquer fonte de renda para tirar as teias de aranha do blog.